Outros métodos
A necessidade de proteção dos animais domésticos contra os predadores tem por base um conhecimento ancestral que, moldado pela convivência entre o homem e os predadores, produziu diferentes métodos de maneio e de proteção eficazes e por vezes muito originais. Os cães de gado são um dos métodos mais utilizados, mas existem outros que são igualmente importantes e complementam a proteção dada pelos cães. Estes métodos podem ir desde o simples confinamento noturno do gado, utilizando estruturas que impedem o acesso do predador, à utilização de engenhos ou de outros animais de proteção, que assustam o predador e o mantêm à distância.
Porém, com o desaparecimento dos predadores e o desinteresse pela pastorícia, muitos dos métodos deixaram de ser usados, existindo o risco de se perder o conhecimento sobre a sua utilização. Recuperar esse conhecimento adquire uma grande importância, pois pode ser muito útil para o desenvolvimento de novos métodos de proteção ou para melhorar os atualmente em uso.
Uma das atividades desenvolvidas pelo Grupo Lobo consiste na recolha, a nível nacional e internacional, de informação sobre métodos antigos e atuais, de proteção de animais domésticos, através de pesquisa bibliográfica, de entrevistas orais, de inquéritos e do contacto com investigadores estrangeiros.
É importante ter em conta que nenhum método pode impedir totalmente a predação, mas apenas contribuir para a sua redução. Assim, devem utilizar-se métodos complementares que garantam uma proteção acrescida, mas que sejam adequados às condições existentes, nomeadamente, ao tipo de rebanho e ao maneio e pastoreio utilizados, às condições do meio e às espécies e densidades dos predadores existentes.
- Presença do pastor
- Confinamento
- Maneio do gado
- Chocalhos e coleiras para o gado
- Cordas e bandeiras
- Espantalhos
- Vedações elétricas
- Sons
- Luzes
- Burros
1. Presença do pastor
A presença do pastor é essencial para a proteção de um rebanho. O pastor pode contribuir para diminuir o risco de predação, impedindo a dispersão dos animais e escolhendo caminhos e pastagens mais abertas, onde a probabilidade dos predadores atacarem é menor. Durante o ataque, a ação do pastor também é importante para afastar o predador, ajudar a ação dos cães de gado e reagrupar o rebanho, conduzindo-o para local seguro.
Pastor vigia rebanho misto.
Aguiar da Beira, 2003
Autor: Rui Vasco
Pastor dirige rebanho de cabras Bravias.
Ribeira de Pena, 2005
2. Confinamento
Fechar o gado, durante a noite, num estábulo seguro (que não permita a entrada de predadores) é uma forma muito eficaz de o proteger durante o período em que os predadores estão, em geral, mais ativos. Também o confinamento num bardo ou numa pastagem vedada de pequena dimensão, pode conferir alguma proteção, pois impede a dispersão dos animais e facilita a ação dos cães de gado ou de outros métodos de proteção.
Estábulo.
Vila Pouca de Aguiar, 2003
Autor: Rui Vasco
Estábulo.
Ribeira de Pena, 2006
Túnel para gado.
Castro Daire, 2005
Os bardos ou currais, como são designados respetivamente na Beira-Baixa e em Trás-os-Montes, são formados por um conjunto de cancelas retangulares e justapostas, antigamente feitas de madeira e atualmente de metal e rede. Têm cerca de 1-1,5m de altura e 2m de largura, e são facilmente transportáveis e montadas periodicamente em diferentes locais das pastagens. São utilizados geralmente para confinar os rebanhos durante os períodos de repouso (noturno e/ou diurno) em regiões do país onde as temperaturas de verão são mais elevadas. Como conferem pouca proteção contra os predadores, à sua utilização estão frequentemente associados vários métodos de proteção, para além dos cães de gado.
Curral em madeira.
Miranda do Douro, 2005
Curral em madeira.
Zamora, Espanha, 2005
Curral em metal e cão de gado.
São João da Pesqueira, 2004
Curral em metal.
Mogadouro, 2005
Curral com detonador a gás, luzes e cão de gado.
Zamora, Espanha, 2006
Autor: Javier Talegón
3. Maneio do gado
O pastor tem um papel muito importante na prevenção da predação, aplicando medidas de maneio adequadas do gado, como seja manter os animais jovens e doentes confinados ou em pastagens protegidas, escolher as pastagens e os percursos mais seguros, manter o rebanho junto, controlando os animais para não dispersarem, ou colocando chocalhos nos animais que se costumam afastar.
Pastor deve orientar o percurso do rebanho e controlar os animais.
Ribeira de Pena, 2005
Pastor deve controlar o rebanho de regresso ao estábulo ao fim do dia.
Moimenta da Beira, 2004
4. Chocalhos e coleiras para o gado
A colocação de chocalhos nos animais do rebanho/manada permite ao pastor localizá-los mais facilmente, sendo muito útil para recuperar os animais perdidos ou aqueles que se costumam afastar.
Nos últimos anos têm sido criadas coleiras de proteção para o gado, que protegem a parte inferior do pescoço dos animais, onde geralmente o predador (canídeos) procura morder. Um dos modelos mais recentes destas coleiras, feito de um plástico resistente, foi desenvolvido por criadores de gado de África do Sul, com resultados muito promissores.
Chocalho com coleira em couro.
Viseu, 2005
Chocalho com coleira em madeira.
Alpes, França, 1997
Coleira protectora (King collar).
África do Sul
Autor: Larry King
Retirado de Carnivore Damage Prevention News, 7, 2004
5. Cordas e bandeiras
As cordas e bandeiras eram utilizadas há poucas décadas atrás em algumas das regiões mais quentes do país, como Mogadouro, Castelo Branco e Alentejo, onde o gado era tradicionalmente confinado em bardos. Consistia na colocação de uma corda esticada em torno do bardo, a cerca de 50 cm de altura e a 1-2m de distância. A corda podia também ser colocada por cima das cancelas do bardo, a uma altura de cerca de 50 cm. Nas cordas eram, por vezes, penduradas peças de roupa velha ou pedaços de tecido/plástico (bandeiras) a intervalos de 1m. Embora no nosso país este método já não seja utilizado, ainda é possível observar a utilização de cordas em algumas regiões fronteiriças de Espanha, como Zamora (Javier Talegón, com.pess.).
As bandeiras (ou fladry) eram também utilizadas na Polónia para confinar os lobos durante as batidas realizadas a este predador. Atualmente, este método está a ser reutilizado em ações de conservação do lobo. Após a realização de estudos em cativeiro que demonstraram a sua eficácia (pelo menos temporariamente), as bandeiras começaram a ser utilizadas em diversos países da Europa e América do Norte, para proteger manadas e rebanhos mantidos em pastagens vedadas.
Corda ou "lia".
Espanha, 2003
Autor: Javier Talegón
Fladry.
Canadá, 2003
Autor: Marco Musiani
6. Espantalhos
A utilização de espantalhos para assustar os predadores era também uma prática tradicional, sendo colocados junto aos bardos ou locais de confinamento do gado. A sua utilização pode ainda ser observada em algumas regiões do nosso país, sendo também comum em certas regiões de Espanha (Zamora) (Javier Talegón, com.pess.). Estes espantalhos podem ser de diversos tipos, desde bonecos a simples sacos ou garrafas de plásticos. No entanto, a sua eficácia ainda não está devidamente estudada, sendo também de admitir a possibilidade de habituação por parte dos predadores. Para manter a eficácia é por vezes recomendada a alteração da disposição ou do tipo dos espantalhos utilizados.
Sacos de plástico num curral.
Miranda do Douro, 2006
Peça de roupa num curral.
Zamora, Espanha, 2004
Espantalho - "espantalobos".
Zamora, Espanha
Autor: Javier Talegón
Garrafas de plástico.
Corunha, Espanha, 2004
7. Vedações elétricas
As vedações elétricas, quando construídas de forma correta, têm tido bastante sucesso para impedir os ataques dos predadores. Estas vedações devem ter cerca de 1,5-1,7m de altura e ser formadas por vários fios elétricos, espaçados de 10 a 30 cm, estando os fios perto do solo mais próximos uns dos outros. As vedações elétricas podem ser fixas ou móveis.
As vedações móveis são bastante úteis para confinar e proteger o gado, pois são facilmente montadas em locais diferentes, acompanhando as deslocações do rebanho. São muito utilizadas para confinar e proteger os rebanhos em pastagens temporárias, particularmente durante a noite.
Quando as vedações são fixas torna-se necessário a sua verificação regular em toda a extensão, bem como eventuais ações de manutenção/reparação para garantir a sua eficácia, pois uma falha na construção ou a existência de um ponto fraco (como uma maior distância ao solo ou uma quebra na corrente devido ao crescimento da vegetação junto aos fios) é facilmente aproveitado pelos predadores.
É ainda possível aumentar a eficácia de vedações de arame já existentes, colocando dois fios elétricos ao longo da vedação, um junto ao solo (para impedir que o predador escave ou passe por baixo) e outro acima da vedação (para impedir que o predador salte por cima).
Vedação elétrica móvel.
Vila Pouca de Aguiar, 2004
Vedação elétrica fixa.
Castelo Branco, 2007
8. Sons
Em algumas regiões do país eram também utilizadas buzinas e petardos (foguetes) em alturas de maior perigo durante o pastoreio do rebanho, com o objetivo de assustar e afastar os predadores. Mais recentemente, novos engenhos como detonadores de propano ou sirenes intermitentes (podendo estar associadas a luzes) têm sido desenvolvidos com o mesmo objetivo. No entanto, os estudos efetuados mostram que muitos destes métodos, apesar de poderem ter um efeito imediato, têm um sucesso relativo, pois os predadores habituam-se facilmente. Assim, devem ser utilizados apenas em situações temporárias ou numa primeira fase, enquanto a utilização de outros métodos está a ser preparada.
Detonador a gás.
Galiza, Espanha, 2003
Autor: Vicente Palácios
9. Luzes
A utilização de luzes (candeias) ou de fogueiras perto dos bardos, durante o confinamento noturno dos rebanhos, é também referida pelos pastores como uma forma utilizada para manter os predadores à distância. Este método foi também recentemente recuperado com a criação de novos tipos de luzes intermitentes (podendo estar associadas a sons). No entanto, tal como os restantes métodos para assustar os predadores, os estudos mostram que os predadores também se habituam às luzes. A sua utilização deve ser limitada a situações temporárias ou antes da aplicação de outros métodos mais eficazes.
Candeia.
Castelo Branco, 2001
Luz intermitente.
Valladolid, Espanha, 2005
Autor: Javier Talegón
10. Burros
Para além dos cães de gado, a utilização de outros animais de proteção, como burros, tem vindo a ser desenvolvida, embora o seu sucesso pareça ser menor. Os burros serão utilizados há mais de 100 anos na Namíbia, para proteger os rebanhos dos predadores (Jean-Marc Landry, com.pess.). Recentemente estão a ser utilizados nos Estados Unidos da América e na Europa, para proteger animais domésticos (bovinos e pequenos ruminantes) dos ataques de coiotes, raposas ou cães. Os burros demonstram uma certa agressividade para com os cães e outros canídeos, perseguindo e tentando morder e escoicear os intrusos. No entanto, a sua eficácia na proteção contra os lobos ainda não foi definitivamente provada.
Embora sejam menos eficientes que os cães de gado, têm a vantagem de não necessitarem de um cuidado ou alimento especial, podendo pastar juntamente com os animais do rebanho. A sua eficiência é maior quando utilizados sozinhos em pequenas pastagens e em rebanhos pouco dispersantes. Utilizam-se geralmente fêmeas ou machos castrados, pois são menos agressivos para os animais do rebanho.
Burro de guarda.
Valais, Suíça
Autor: Jean-Marc Landry
Burro de guarda.
Valais, Suíça
Autor: Jean-Marc Landry